sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

"Deixo a tristeza e trago a esperança em seu lugar"

Mais um ano indo, e outro chegando. A terra não parou de girar, o verão chegou, lá se vai 2011, e lá vem chegando 2012, outras expectativas, outros sonhos pra realizar, outro ano de muito trabalho em busca de sucesso, um ano pela frente.
Frio na barriga? Aquele que se sente sempre 0:00 no dia 31 de dezembro.
"Frio na barriga" pela ansiedade dos acontecimentos do próximo ano.

Acho que sinceramente, eu tenho algum problema com reflexão, e com pessismo. Nem sei como consegui escrever o parágrago acima, inclusive. Só fico me perguntando se esse "pessimismo" com a chegada do próximo ano, já existia lá no fundo dentro de mim, ou foi algo plantado pelo ano de muitas experiências boas, mas de muita decepção, de muitos ganhos, mais também de muitas perdas.

Deixo 2011 com a certeza de que preciso deixa a tristeza pra lá, e trazer a esperança no lugar dela. Aprendi muito em 2011: de como pessoas se tornam insubistituveis rapidamente, do quanto se decepcionar pode doer, do quanto perder alguém que antes era imprescindivel no cotidiano pode doer, que escolhas são perigosas, que optar por algo é sempre dizer não para um lado e que isso é emocionalmente, muito dificil.

Em 2011 fiz 20 anos, mas parece que vivi alguns anos dentro dele, acontecimentos muito bons, momentos memoraveis (mesmo que eu queira negar isso pra mim mesma muitas vezes). Foi um ano de amadurecimento mais que tudo, um ano em que pude perceber que nada é de graça, que contar sempre com a sorte não é uma boa opção.

Aprendi que posso morrer de saudades, mas essa saudade só tem validade se falada ao outro de forma clara. Aprendi que não se deve brincar com pessoas, e nem com sentimento delas, porque o mundo gira, e quando percebemos, estamos na mesma situação.

Aprendi a amar, a re-amar, só não aprendi a esquecer, mas acho que vou esperar eu fazer 21 anos pra tentar entender porque consigo perdoar, mas não esquecer...

Classifico meu ano, como o do "chocolate amargo"...doce no começo, mas com aquele gosto amargo do final.

"Eu deixo a onda me acertar..
E o vento vai levando tudo embora..."

Vem 2012!

domingo, 13 de novembro de 2011

Carta à alguém que se foi...

"Você é assim. Todos se consideram seus amigos. Mas você não deixa ninguém chegar perto, porque tem medo de se ferir. E o problema é que você realmente gostava dela. Foi a única de quem realmente gostou. E não importa o que ela fizesse, você não baixava a guarda. Pobre garota, nunca teve chance"
(Separados pelo casamento - 2006)

Durante as ultimas semanas, li algumas (várias coisas), escutei algumas músicas (várias músicas), e fiquei tentando buscar explicações sobre tudo que aconteceu. De como as coisas são, de como começar algo errado, só gera tanta confusão, e erro em cima de erro..

Pensei.

Pensei no verão, pensei nas férias, pensei nos sorrisos compartilhados, pensei nos telefonemas, pensei do jeito escondido do começo, pensei nos telefonemas, pensei nas saídas, pensei no "eu te amo" mais dificil de sair da sua boca, e mais dificil ainda de ser interpretado pelos meus ouvidos, pensei nos porres, nos abraços confortantes, pensei nas músicas, nos elogios, nas noites, na viagem, nos 2 andares de escada que nos separava, nos apoios, nos emails, nas longas conversas por madrugada a dentro, nas indiretas, nos porques, nos amigos. Por fim, pensei no fim mediocre de toda uma estória que começou tão boa, ter acabado com tantas mentiras, tantas magooas, e agora tanto desafeto e tanto desapego.

Desde então, li esse trecho em um blog a pouco, e acho que ele é o que mais traduz tudo que eu acho nesse momento. Vi esse filme já algumas vezes, tipo naquele domingo que não tem nada pra fazer, e você passa o dia todo vendo filmes.

Nesse trecho encontro a explicação que procurei durante todos esses meses, hoje entendo que é mais do que não saber o que quer, é mais do ser reservado, é mais do que tantas mentiras, é mais do que indecisão, é "medo de se ferir", que faz com que todo resto vire só consequencia.

Não coloco a culpa em você, coloco em mim (por ser mais fácil assim), mas acho que demorei muito pra entender porque sou completamente o inverso. Eu lanço minha alma no espaço todo tempo, eu arrisco, eu levo as coisas até o final, eu não tenho medo de viver, eu pago pra ver, e eu vou até o fim.
Obviamente isso me trás mais sofrimento, mas me faz mais feliz por muito mais tempo. Ter medo de arriscar é tolo, é infantil, é mentir pra si mesmo o tempo todo.

E eu que por várias vezes achei que o que mais nos unia era a afinidade, era o jeito de pensar, era o jeito de olhar pra vida como um grande desafio, hoje vejo que tudo que você sente é medo.
Medo do novo, medo de esquecer o passado, medo de viver, medo que descubram quem você é de verdade. Não há problema em ter defeitos, há problema em querer esconde-los todo tempo. Não sei de verdade o que sinto ao certo, acho que entro agora na pior fase, a fase do nada. Não sinto nada. Nossas exatidões não funcionam mais numa conta de mais.

Enquanto eu queria o mundo, você só queria fugir do meu mundo, e nunca teve coragem de me dizer isso. Não entendo porque, mas enfim...algumas coisas são mesmo intangiveis. O que importa é que hoje posso afirmar que ainda quero o mundo, que voltei pro meu mundo, e que que estou prestes a vencer essa guerra. Que cada batalha foi de doer os ossos, mas que meu corpo a cada tombo se ergueu como eu jamais esperava conseguir.

Hoje volto a ser aquela mulher sorridente, aquela mulher que se sente bem e não solitária entre seus amigos, aquela mulher romântica, aquela mulher que adora aproveitar tudo que a vida tem de bom para oferece-la, aquela que encantou você, e que tá pronta pra ganhar o mundo dela de volta!

E que pra ganhar meu mundo de volta, eu não necessariamente precisei de outra pessoa pra colocar no lugar do que eu sentia por você, porque pessoas são sim insubistituives. E que nós não podemos escolher como nos sentimos diante das situações impostas pela vida, mas que podemos sempre escolher o que fazer diante de tudo. Aprendi que pra mudar o que sinto, não preciso trocar um alguém por outro, tenho que me trocar primeiro e me refazer.

Enfim....
"Todo carnaval tem seu fim"
Los Hermanos

domingo, 23 de outubro de 2011

Pareço, logo existo

Foi-se o tempo em que a disputa se resumia ao clássico Ser x Ter. Dizem que ninguém mais dá a mínima para o que é, só para o que tem. Exagero. As pessoas ainda se preocupam com o que são. O problema é que não gostam do que são. Gostariam de ser outra coisa. E aí entra o verbo que está no topo das paradas hoje em dia: parecer.

Tem gente que quer parecer rica, e adota um padrão de vida que não condiz com a sua realidade. Pra manter a fachada de bem-nascida, acaba colecionando dívidas e queimando seu nome na praça. Nos eventos sociais, pode até ser a mais fotografada, mas para os comerciantes é bola preta na certa. A rica mais sem crédito das colunas.

Tem aqueles que querem parecer mais bem relacionados do que são, e se enturmam, forçam intimidade e grudam feito chiclete em pessoas que mal conhecem, só para descolar um convite para uma festa, um show, uma estreia, qualquer lugar que projete.

Os que querem parecer mais cultos do que são, você sabe, são aqueles que nunca foram além do prólogo do livro e é o que basta para olharem a ralé de cima para baixo, como se fossem portadores da sabedoria universal.

Há os que querem parecer mais jovens do que são: bom, quem não gostaria? É uma dádiva parecer ter cinco anos menos, sem esforço. A genética é mais generosa com uns do que com outros. Há muito tempo que eu não tento mais adivinhar a idade de ninguém: sempre erro, já que todo mundo parece ter bem menos. Mas se você tem 56 e parece ter 56, não é caso para enfiar a cabeça dentro do forno.

Os casos mais patéticos, no entanto, são os daquelas pessoas que querem parecer mais felizes do que são. O recurso adotado: mentem.

O casamento delas está uma lua de mel, os filhos só dão alegrias, são muito requisitadas no trabalho, os amigos não param de telefonar, a vida tem sido um passeio num campo florido, e fica sem explicação aquele olhar melancólico, o sorriso forçado, a exaustão de ter que passar o falso entusiasmo adiante, como se não tivéssemos condições de perceber seu verdadeiro estado de ânimo, que é coisa que se transmite sem palavras. Ver alguém se esforçando para parecer feliz é das situações mais constrangedoras que se pode testemunhar.

Está triste? Esteja! Não é rico, nem jovem, nem belo? Nem por isso ficará sozinho. Pessoas não se apaixonam por estereótipos, mas pela singularidade de cada um, pela capacidade de ser surpreendido, pela sedução que o inusitado provoca. Uma pessoa que se preocupa em “parecer” já está derrotada no primeiro minuto de jogo.

Dá valor demais à opinião dos outros, não age conforme a própria vontade, não se assume do jeito que é, inventa personagens para si mesmo e acaba se perdendo justamente deste “si mesmo”, que fica órfão. Quer parecer mais inteligente? Comece admitindo que não sabe nada sobre nada e toque aqui: ninguém sabe.

A gente nunca sabe de nada mesmo, to tentando entender o que ando sentindo e não consigo.

Termino com a música da semana:

"Não deixe mais pra depois o que é pra ser agora
O que falou de nos dois foi dá boca pra fora
Não vou te julgar nem magoar você te dando troco

O que há entre nos dois não vai passar em branco
Estou chamando você pra vir pro nosso canto
Vamos resolver, nos entender por que eu
Já tô ficando louca"

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Vingança

Muitas frases espirituosas já foram escritas a respeito de vingança. Gosto de uma que diz: “Contra quem lhe tomou sua esposa, não existe vingança melhor do que o infeliz ficar com ela pra sempre”. Vale para ambos os sexos, acrescento.

A vingança é uma atitude de mau humor, e o mau humor pode ser risível. Eu, ao menos, acho engraçado que alguém perca tempo se dedicando a se vingar do que quer que seja, deixando claro o quanto se sentiu ofendido. Há vingança melhor do que não dar a mínima?
Mas, para a maioria das pessoas, é difícil ficar indiferente diante de uma situação que, a priori, causou prejuízo. Até o Velho Testamento cita o “olho por olho” como forma de sanar o dano causado. Toma lá, dá cá. Aqui se faz, aqui se paga. Ok, mas me parece um desperdício de energia.

Não chego ao cúmulo de oferecer a outra face, que isso é coisa pra santo. Perdoo, mas me blindo. Se aprontou uma vez, aprontará outra. Fico na minha, me fortaleço e trato de viver cada dia melhor – nada irrita mais nossos inimigos.

Pesquisas indicam que as mulheres são mais vingativas do que os homens, o que nos faz descer alguns degraus, sustentando a teoria do sexo frágil. Transar com outro, sem estar a fim, só porque fomos traídas? Roubar o namorado da amiga porque ela ficou com nosso emprego? Espalhar boatos pela internet porque alguém foi desleal? É a confirmação da nossa pequeneza, que passa a se igualar à pequeneza de quem falhou conosco.

A iraniana Ameneh Bahrami, que no último domingo perdoou o homem que lhe jogou ácido no rosto, cegando-a, declarou que a clemência lhe fez bem. Ela o salvou minutos antes de ele próprio ter os olhos corroídos por ácido num hospital de Teerã. O médico já estava com o material na mão para consumar a vingança (autorizada pelas leis islâmicas). O agressor estava de joelhos, aos prantos, aguardando o pior, quando chegou o telefonema com o perdão da vítima.

Por que Ameneh desistiu de pagar na mesma moeda? Sei lá, talvez porque não foi um irmão ou parente proximo dela dela que o maluco cegou (mexam com que amos e bye bye superioridade), mas o mais provável é que o mal nunca tenha feito parte da sua natureza. Ela não quis ser como ele.

Dizem que se vingar dá uma sensação agradável, que a vingança é doce, traz consolo, segurança, que há até um componente erótico em sua consumação. Estão aí os defensores da pena de morte para confirmar o júbilo que a vingança provoca. Eu sigo achando que lutar por justiça é um dever, mas se vingar é tosco. Só é aceitável quando o destino é que se vinga por nós, sem que a gente suje as mãos. Há que se confiar na providência divina.

Já a vingança arquitetada é a infantilidade usando salto alto e batom, fingindo-se de gente grande.

domingo, 14 de agosto de 2011

Meu herói, meu bandido


Ele parece um gigante. Ou será apenas uma impressão, já que somos tão minúsculos diante dele? Não, não é impressão, ele é sim um gigante! É forte, mesmo quando magro. É sério, mesmo quando brinca. E sabe muito. Tem todas as respostas. Conhece todos os truques. Sabe onde a gente deve sentar no estádio para evitar o tumulto de torcedores. Sabe que rua a gente deve pegar para evitar congestionamento. Sabe como consertar o computador. Sabe exatamente quando vai chover. Nunca tem dor de dente. Nunca tem febre. Nunca mentiu. Nunca deixou faltar nada em casa.

Por quanto tempo dura esse delírio? A infância toda. Nossas primeiras e mais fortes emoções foram provocadas por ele. A primeira sensação de respeito foi por ele. O primeiro medo foi dele também. Não podemos decepcioná-lo. Ele faz tudo certo. Não permite que façamos de outro jeito. Mesmo que não sejamos mais do que meras crianças, ele exige de nós o melhor que temos a dar. Ele não se contenta com pouco. Ele é o parâmetro. Ele é o cara. Nosso orgulho, nossa segurança. Nosso.

E então o tempo passa e começamos a aprender que não somos sua imagem e semelhança, já que, ao contrário dele, nós erramos à beça. Nós pedimos cola para conseguir passar de ano. Nós fumamos escondido. Nós pegamos o carro antes de ter carteira. Nós brigamos com nosso irmão. Nós desejamos a namorada do próximo. Nós ultrapassamos o limite de velocidade. Nós somos adolescentes. E um dia surge a desconfiança: será que ele também erra? Essa não. De herói a bandido. Ele, que não quer mais abrir a carteira pra nós. Ele, que todo dia dá sermão. Ele, que faz a mãe chorar. Ele, que implica com todos os nossos amigos. Ele, que reclama do nosso cabelo. Ele, que foi demitido. Ele, que andou bebendo demais. Ele, que teve que ir ao médico. Ele, que não é diferente de ninguém.

Duríssima travessia esta, a que chamamos de “cair na real”. A gente cresce e o gigante se apequena, e passamos todos a ter o mesmo tamanho. Difícil pra ele, mais difícil pra nós.

Como não nos sentirmos traídos? Como ele permitiu que nossas ilusões fossem ralo abaixo? Até que vem a maturidade e, com ela, os papéis se definem, as proporções ganham sentido e clareza. Ninguém é herói, ninguém é bandido. Ele é um homem. Se as mães são tratadas como rainhas do lar para sempre, ele, ao contrário, ganha em humanidade.

Ele se adapta ao nosso olhar, se ajusta. Passa a ser um de nós. O cara que viaja e volta. O cara que some e reaparece. O cara que mente e diz a verdade. O cara que tem certeza e tem dúvida. Ele, que desempenhou muito bem o papel que lhe cabia, que foi gigante quando era preciso. E, quando preciso, revelou que não sabia tudo, e que segue até hoje seu caminho ao nosso lado, sendo ora Golias, ora um humilde pastor.

Acho que só essa música pra representar algo nesse dia tão especial!

"
Pai, me perdoa essa insegurança, é que eu não sou mais aquela criança
Que um dia morrendo de medo, nos teus braços você fez segredo
Nos teus passos você foi mais eu

Pai, eu cresci e não houve outro jeito, quero só recostar no teu peito
Pra pedir pra você ir lá em casa e brincar de vovô com meu filho
No tapete da sala de estar

Pai, você foi meu herói meu bandido, hoje é mais muito mais que um amigo
Nem você nem ninguém tá sozinho, você faz parte desse caminho
Que hoje eu sigo em paz
"


domingo, 7 de agosto de 2011

Amputações

Quando o filme 127 Horas estreou no cinema, resisti à tentação de assisti-lo. Achei que a cena da amputação do braço, filmada com extremo realismo, não faria bem para meu estômago. Mas agora que saiu em DVD, corri para a locadora. Em casa eu estaria livre de dar vexame.

Quando a famosa cena se iniciasse, bastaria dar um passeio até a cozinha, tomar um copo d´água, conferir as mensagens no celular, e então voltar para a frente da TV quando a desgraceira estivesse consumada. Foi o que fiz.

O corte, o tão famigerado corte, no entanto, faz parte da solução, não do problema. São cinco minutos de racionalidade, bravura e dor extremas, mas é também um ato de libertação, a verdadeira parte feliz do filme, ainda que tenhamos dificuldade de aceitar que a felicidade pode ser dolorosa. É muito improvável que o que aconteceu com o Aron Ralston da vida real (interpretado no filme por James Franco) aconteça conosco também, e daquele jeito.

Mas, metaforicamente, alguns homens e mulheres conhecem a experiência de ficar com um pedaço de si aprisionado, imóvel, apodrecendo, impedindo a continuidade da vida. Muitos tiveram a sua grande rocha para mover e, não conseguindo movê-la, foram obrigados a uma amputação dramática, porém necessária.

Sim, estamos falando de amores paralisantes, mas também de profissões que não deram retorno, de laços familiares que tivemos de romper, de raízes que resolvemos abandonar, cidades que deixamos. De tudo que é nosso, mas que teve que deixar de ser, na marra, em troca da nossa sobrevivência emocional. E física, também, já que insatisfação é algo que debilita.

Depois que vi o filme, passei a olhar para pessoas desconhecidas me perguntando: qual será a parte que lhes falta? Não o “Pedaço de Mim” da música do Chico Buarque, aquela do filho que já partiu, mutilação mais arrasadora que há, mas as mutilações escolhidas, o toco de braço que tiveram que deixar para trás a fim de começarem uma nova vida.

Se eu juntasse alguns transeuntes, aleatoriamente, duvido que encontrasse um que afirmasse: cheguei até aqui sem nenhuma amputação autoprovocada. Será? Talvez seja um sortudo. Mas é mais provável que tenha faltado coragem.

Às vezes o músculo está estendido, espichado, no limite: há um único nervo que nos mantém presos a algo que não nos serve mais, porém ainda nos pertence. Fazer o talho sangra. Machuca. Dói de dar vertigem, de fazer desmaiar. E dói mais ainda porque se sabe que é irreversível. A partir dali, a vida recomeçará com uma ausência.

Mas é isso ou morrer aprisionado por uma pedra que não vai se mover sozinha. O tempo não vai mudar a situação. Ninguém vai aparecer para salvá-lo. 127 horas, 2.300 horas, 6.450 horas, 22.500 horas que se transformam em anos.

Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar.

"Nem me olhou, nem me viu..
Nem me tocou, nem sentiu o amor nascer..
E foi o fim pra nós dois, nada restou pra depois..
Foi bom enquanto durou...
Esse romance esse amor..
Pena que acabou...
Mas vou viver, de novo uma paixão
E dessa vez vou acertar, bem no coração..
E nunca mais vou errar, como errei com você
Quero prazer de amar, é tempo de aprender"

domingo, 24 de julho de 2011

Fator descarte

Estávamos, eu e uma amiga, conversando sobre antigos namorados, quando ela me contou uma história engraçada que havia acontecido com ela há muito tempo. Estava saindo com um cara que já demonstrara não ser exatamente um príncipe encantado, mas vá lá, ela seguia tentando, até que um dia estavam dentro do carro e o rádio começou a tocar uma música do Tom Jobim. Ele disse: “Não suporto esse xarope” e trocou de estação. Ela não teve dúvida: trocou de namorado. Nãogostar de Tom Jobim foi o que ela chama de “fator de descarte”. Me assegurou que todos nós, homens e mulheres, temos pelo menos um fator que faz com que paremos de investir numa paquera. Um fator que é intransponível. E então ela me perguntou: qual é o teu?


Fiz um rápido retrospecto da minha vida amorosa – rápido mesmo, porque o elenco é pequeno – e cheguei à conclusão de que meu único fator de descarte seria a violência e a canalhice. Eu não me relacionaria com ninguém que ameaçasse minha integridade física e também com ninguém que não tivesse princípios éticos. Fora isso, não me importo que o candidato a príncipe não goste de Tom Jobim ou que seja flamenguista, baixinho, caolho e manque de uma perna, desde que possua o meu “fator de exigência”, que é único, subjetivo e não vou revelar qual é.


Essa história de “fator de descarte” explica a existência de tantos desencontros amorosos, de tanta gente continuar comendo mosca quando poderia estar vivendo uma relação, no mínimo, surpreendente. A longa lista de “isso não tolero” é praticamente um passaporte para a solidão. As pessoas não dão chance para os diferentes, para os que não têm o mesmo nível cultural ou o mesmo padrão econômico. Desejam alguém que pense igual, se comporte igual, tenha os mesmos gostos, o mesmo tipo de amigos, preferências idênticas. No entanto, quem garante que um fã de Tom Jobim não possa ser um buldogue no convívio diário? E quem garante que um fã do padre Fábio de Melo não possa levar uma mulher às alturas? Hosana nas alturas!


Eu prefiro Tom Jobim a qualquer padre, pagodeiro ou sertanejo, e acredito que ter afinidades é decisivo para o sucesso de uma relação a dois, mas às vezes um prefere Paris e outro prefere acampar em Trindade, e aí, como faz?


Relacionar-se é a oportunidade suprema de invadir universos desconhecidos e extrair diversão das indiadas. Claro que há grande chance de virar um deus nos acuda, mas não se pode cultivar ideias imutáveis, tipo “jamais trocarei uma noite no Fasano por um churrasquinho de gato na periferia”.


Exagerei, né? Não. Um churrasquinho da periferia quando com bons amigos e cerveja e risadas pode ser tão fascinante como uma noite no Fasano. Altamente psicológico. Pense naquilo que é imprescindível para justificar que você se envolva com outra pessoa a ponto de abrir mão da sua liberdade. Pois então: eis o seu fator de exigência. É isso que importa. De resto, deixe pra ouvir Garota de Ipanema em casa, Tom Jobim não vai fugir.


Qual é o seu Fator de descarte? Quais são as oportunidades que você está deixando passar por ser muito exigente? Quais são os sapos que você anda engolindo por falta de autoconfiança? Você racionaliza tudo ou deixa que as emoções a conduzam?

Quando é que você diz: "Isto eu não tolero!"

Pense, avalie, compartilhe o que realmente conta ao aplicar o seu fator de exigência.



"Havia mil motivos pra eu não estar aqui, e estou, mas o nosso destino foi escrito sob o som de uma banda qualquer, e agora é só você que me faz cantar, e é só você que me faz cantar"

domingo, 3 de julho de 2011

“A gente não deixou de se amar, a gente só não se quer mais” Divã

Um beijo não dado. Um pedido não feito. Um email não mandado. Uma conversa não terminada. As mentiras pra si mesmo. Um sábado vazio. Uma história mal contada. Um sorriso. Um charme.Um abraço. Um encontro. Um desencontro. Palavras..Gestos..

Uma noite. Uma praia. Um céu. O adeus. A felicidade..a procura dela?!

O medo..

A inconstância..o gostar...a paixão...o amor..

Uma maturidade de dar inveja, um jeito de olhar dentro dos olhos, e por fora deles..

Uma inteligência, uma forma de viver, um carinho, um apego.

As discussões, o jeito de falar com os olhos.

A admiração, os argumentos apaixonantes, a paciência.

O encanto, a delicadeza, o jeito de fazer amor, de amar.

A sedução, a vergonha, a primeira vez juntos.

A sensibilidade, o toque, as histórias.

As mágoas.

As minhas e as suas.

Os ciúmes.

Os meus e os seus.

O fim.

Imprevisto tanto por você, como por mim.

A falta.

A mesma de sempre.

Amigos?

Espero que sim.

E hoje? E você? E o que sentiu?

Não sei!

É.."A gente não deixou de se amar, a gente só não se quer mais"

terça-feira, 21 de junho de 2011

O jeito deles

O que é que faz a gente se apaixonar por alguém? Mistério misterioso. Não é só porque ele é esportista, não é só porque ela é linda, pois há esportistas sem cérebro e lindas idem, e você, que tem um, não vai querer saber de descerebrados.

Mas também não basta ser inteligente, por mais que a inteligência esteja bem cotada no mercado. Tem que ser inteligente e... algo mais. O que é este algo mais?

Mistério decifrado: é o jeito.

A gente se apaixona pelo jeito da pessoa. Não é porque ele cita Camões, não é porque ela tem olhos azuis: é o jeito dele de dizer versos em voz alta como se ele mesmo os tivesse escrito pra nós; é o jeito dela de piscar demorado seus lindos olhos azuis, como se estivesse em câmera lenta.

O jeito de caminhar. O jeito de usar a camisa pra fora das calças. O jeito de passar a mão no cabelo. O jeito de suspirar no final das frases. O jeito de beijar. O jeito de sorrir. Vá tentar explicar isso.

A gente se apaixonada porque ele tinha um jeito de estar nas festas parecendo que não estava, era como se só eu o estivesse enxergando.

A gente se apaixona pelo jeito de olhar que parecia que despia a gente: não as roupas da gente, mas a alma da gente. Logo vi que eu jamais conseguiria esconder algum segredo dele, era como se ele me conhecesse antes mesmo de eu nascer.

E também tem aqueles que a gente nunca se apaixona também pelo "tal jeito": do jeito vulgar de falar, do jeito de rir sempre alto demais e por coisas totalmente sem graça, do jeito rude de tratar os garçons, do jeito mauricinho de se vestir: nunca um desleixo, sempre engomado e perfumado, até na beira da praia. Nenhum defeito nisso. Pode até ser que eu tenha perdido os caras mais sensacionais do universo.

Mas o cara mais sensacional do universo e a mulher mais fantástica do planeta nunca irão conquistar você, a não ser que tenham um jeito de ser que você não consiga explicar.

Porque esses jeitos que nos encantam não se explicam mesmo.

A música? Continua sendo uma das melhores da minha vida..

"Cause we, could be happy can't you see?
If you'd only let me be the one to hold you
And keep you here with me
"

sexta-feira, 17 de junho de 2011


A DOR QUE DÓI MAIS

Trancar o dedo numa porta dói. Bater com o queixo no chão dói. Torcer o tornozelo dói. Um tapa, um soco, um pontapé, dóem. Dói bater a cabeça na quina da mesa, dói morder a língua, dói cólica, cárie e pedra no rim. Mas o que mais dói é saudade.
Saudade de um irmão que mora longe. Saudade de uma cachoeira da infância. Saudade do gosto de uma fruta que não se encontra mais. Saudade do pai que já morreu. Saudade de um amigo imaginário que nunca existiu. Saudade de uma cidade. Saudade da gente mesmo, quando se tinha mais audácia e menos cabelos brancos. Dóem essas saudades todas.
Mas a saudade mais dolorida é a saudade de quem se ama. Saudade da pele, do cheiro, dos beijos. Saudade da presença, e até da ausência consentida. Você podia ficar na sala e ele no quarto, sem se verem, mas sabiam-se lá. Você podia ir para o aeroporto e ele para o dentista, mas sabiam-se onde. Você podia ficar o dia sem vê-lo, ele o dia sem vê-la, mas sabiam-se amanhã. Mas quando o amor de um acaba, ao outro sobra uma saudade que ninguém sabe como deter.

Saudade é não saber. Não saber mais se ele continua se gripando no inverno. Não saber mais se ela continua clareando o cabelo. Não saber se ele ainda usa a camisa que você deu. Não saber se ela foi na consulta com o dermatologista como prometeu. Não saber se ele tem comido frango de padaria, se ela tem assistido as aulas de inglês, se ele aprendeu a entrar na Internet, se ela aprendeu a estacionar entre dois carros, se ele continua fumando Carlton, se ela continua preferindo Pepsi, se ele continua sorrindo, se ela continua dançando, se ele continua pescando, se ela continua lhe amando.

Saudade é não saber. Não saber o que fazer com os dias que ficaram mais compridos, não saber como encontrar tarefas que lhe cessem o pensamento, não saber como frear as lágrimas diante de uma música, não saber como vencer a dor de um silêncio que nada preenche.

Saudade é não querer saber. Não querer saber se ele está com outra, se ela está feliz, se ele está mais magro, se ela está mais bela. Saudade é nunca mais querer saber de quem se ama, e ainda assim, doer.


Termino com a música que está fazendo minha semana pirar:

"Meu catavento tem dentro
O vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora o escondido do Engenho
De Dentro da flor
Eu sinto muita saudade,
Você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço,
Você é tão espontânea

Sei que um depende do outro só pra ser diferente,
Pra se completar
Sei que um se afasta do outro, No sufoco,
Somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser
E eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho
Mas os dois juntos se vão
No sumidouro do espelho"

domingo, 15 de maio de 2011

Adeus à lógica

"Rendição é minha maior dificuldade. Eu me exijo desumanamente. Tenho a impressão de que se eu não tiver uma vida bem argumentada ela vai se esfarelar em minhas mãos. Sou garimpeira, quero sempre cavoucar a razão de tudo, não consigo dar dois passos sem rumo determinado"
Divã - Martha Medeiros

Esse é um trecho de um livro. De um monólogo de uma mulher no analista, tentando libertar do que considera sua maior virtude e ao mesmo tempo seu maior entrave: ela racionaliza tudo. Demais. Ela sabe que pensar é um bom hábito, mas pensar o tempo todo - em tudo - é nocivo, principalmente quando se está vivendo um grande abalo emocional. É o caso da personagem do livro, que viveu uma série de rupturas num breve período de tempo e tenta, alucinadamente, entender o que aconteceu, e como, e quando, e por quê.

Alucinadamente não é um advérbio usado aqui por acaso. Procurar entender uma dor enlouquece mesmo.

A maioria das pessoas, quando em estado de sofrimento extremo, pensa até a página dois. Dali por diante, desiste de encontrar razões que fundamentem sua devastação e tratam de chorar e chorar até que um novo dia amanheça, porque sempre amanhece. Elas vivenciam o luto, perdem a elegância e xigam os deuses, pois sabem que todo sofredor tem crédito na praça, podem pirar durante um tempo que os amigos seguram a onda.

O que o sofredor não pode é tentar buscar alguma lógica para o que está sentindo, porque a emoção não tem lógica, as coisas dão certo e depois não dão, as pessoas dizem que te amam e depois desamam, de manhã você está infeliz e no de tarde se anima, e só há uma explicação: a vida é assim. Para alguns, esta explicação basta. Para outros, esta explicação só pode estar sonegando alguma coisa. Não toleram tanta simplificação. Que vida é assim, o quê!

A personagem do monólogo finalmente amadurece e entende que não há nada sendo sonegado. Não temos controle sobre alguma coisa, a cada dia estamos nas mãos do imprevisto, e tudo o que nos resta é aproveitar os acontecimentos bons e lamentar as dificuldades, pois elas fazem parte do mesmo "kit". É pegar ou largar. Mas só um demente largaria. Quem não se sujeita ao pacote inteiro não vive.

O livro não tem final, apenas mostra que, depois de a personagem ter quebrado a cabeça tentando encontrar conexões entre suas atitudes e pensamentos, descobre que a vida não é mesmo bem alinhavada. Buscar uma lógica para a dor só nos prende ainda mais a ela. É como tentar morder o próprio rabo - nunca terá fim.

Toda emoção é insconstante, toda paixão é bipolar. Tudo é mistério, tudo é instavél, e sorte de quem aprende a se equilibrar nessa gangorra. E a moral da história continua a mesma: basta estarmos vivos para sermos passíveis de assombro o tempo todo.


Termino esse texto com uma frase que eu li esses dias em algum lugar e que marcou minha semana:
"I don't care if the word is composed of billions of people. I want you. End of the story"

terça-feira, 26 de abril de 2011

Nostalgia




"Descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem de minha natureza. Descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso o pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. Descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do Zodíaco. Tomei consciência de que a força invencível que impulsionou o mundo não são os amores felizes mas os contrariados e que o sexo é o consolo que a gente tem quando o amor não nos alcança."

(Memórias de Minhas Putas Tristes - Pg. 74)
Gabriel García Márquez


Idealizar é sofrer. E sofrer não é amar. Sofrer é sofrer.....
Não aguento mais esses pensamentos da minha cabeça que entram em choque direto com meu coração.

Que venha a quarta, e que ela não demore!

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Strip-Tease


Chegou no apartamento dele por volta das seis da tarde e sentia um nervosismo fora do comum. Antes de entrar, pensou mais uma vez no que estava por fazer. Seria sua primeira vez com aquele cara. Já havia roído as unhas de ambas as mãos. Não podia mais voltar atrás. Tocou a campainha e ele, ansioso do outro lado da porta, não levou mais do que dois segundos para atender.

Ele perguntou se ela queria beber alguma coisa, ela não quis. Ele perguntou se ela queria sentar, ela recusou. Ele perguntou o que poderia fazer por ela. A resposta: sem preliminares. Quero que você me escute, simplesmente.
Então ela começou a se despir como nunca havia feito antes.

Primeiro tirou a máscara: "Eu tenho feito de conta que você não me interessa muito, mas não é verdade. Você é a pessoa mais especial que já conheci. Não por ser bonito ou por pensar como eu sobre tantas coisas, mas por algo maior e mais profundo do que aparência e afinidade. Ser correspondida é o que menos me importa no momento: preciso dizer o que sinto".

Então ela desfez-se da arrogância: "Nem sei com que pernas cheguei até sua casa, achei que não teria coragem. Mas agora que estou aqui, preciso que você saiba que cada música que toca é com você que ouço, cada palavra que leio é com você que reparto, cada deslumbramento que tenho é com você que sinto. Você está entranhado no que sou, virou parte da minha história."

Era o pudor sendo desabotoado: "Eu beijo espelhos, abraço almofadas, faço carinho em mim mesma tendo você no pensamento, e mesmo quando as coisas que faço são menos importantes, como ler uma revista ou lavar uma meia, é em sua companhia que estou".

Retirava o medo: "Eu não sou melhor ou pior do que ninguém, sou apenas alguém que está aprendendo a lidar com o amor, sinto que ele existe, sinto que é forte e sinto que é aquilo que todos procuram. Encontrei".

Por fim, a última peça caía, deixando-a nua
"Eu gostaria de viver com você, mas não foi por isso que vim. A intenção é unicamente deixá-lo saber que é amado e deixá-lo pensar a respeito, que amor não é coisa que se retribua de imediato, apenas para ser gentil. Se um dia eu for amada do mesmo modo por você, me avise que eu volto, e a gente recomeça de onde parou, paramos aqui".

E saiu do apartamento sentindo-se mais mulher do que nunca.

domingo, 3 de abril de 2011

O que ela vê nele?

E o que é que ela vê nele? Nossos amigos se interrogam sobre nossas escolhas, e nós fazemos o mesmo em relação às escolhas deles. O que é, caramba, que aquele Fulano tem de especial? E qual será o encanto secreto da Beltrana?

Vou contar o que ela vê nele: ela vê tudo o que não conseguiu ver no próprio pai, ela vê uma serenidade rara e isso é mais importante do que o Porsche que ele não tem, ela vê que ele se emociona com pequenos gestos e se revolta com injustiças, ela vê uma pinta no ombro esquerdo que estranhamente ninguém repara, ela vê que ele faz tudo para que ela fique contente, ela vê que os olhos dele franzem na hora de ler um livro e mesmo assim o teimoso não procura um oftalmologista, ela vê que ele erra, mas quando acerta, acerta em cheio, que ele parece um lorde numa mesa de restaurante mas é desajeitado pra se vestir, ela vê que ele não dá a mínima para comportamentos padrões, ela vê que ele é um sonhador incorrigível, ela o vê chorando, ela o vê nu, ela o vê no que ele tem de invisível para todos os outros.

Agora vou contar o que ele vê nela: ele vê, sim, que o corpo dela não é nem de longe parecido com o da Daniella Cicarelli, mas vê que ela tem uma coxa roliça e uma boca que sorri mais para um lado do que para o outro, e vê que ela, do jeito que é, preenche todas as suas carências do passado, e vê que ela precisa dele e isso o faz sentir importante, e vê que ela até hoje não aprendeu a fazer um rabo-de-cavalo decente, mas faz um cafuné que deveria ser patenteado, e vê que ela boceja só de pensar na palavra bocejo e que faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto ele e é humana como todos, vê que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado que está, e vê que ela se preocupa quando ele chega tarde e não se preocupa se ele não diz que a ama de 10 em 10 minutos, e por isso ele a ama mesmo que ninguém entenda.

domingo, 20 de março de 2011

O pau da barraca

Por mais de bem com a vida que estejamos, tem aqueles dias em que não adianta, a gente se queixa. Queixas miúdas: a empregada que quebrou a tampa do açucareiro, o marido e sua maldita apneia, a filha adolescente que implica com tudo, o carro que está caindo aos pedaços, ou seja, nenhuma tragédia. Dez minutos de papo no telefone com a melhor amiga valem por uma sessão de terapia, e os problemas retornam à sua verdadeira dimensão: mínima.

Só que às vezes não estamos nem um pouco de bem com a vida, nem um pouco. O mundo está desmoronando de verdade: a empregada foi flagrada roubando, o marido parece que vive em outra galáxia, a filha está prestes a levar bomba no colégio e o carro... que carro? Foi vendido para pagar as dívidas, esqueceu? Outro dia, uma amiga desabafou sobre tudo isso: de como a vida dela estava uma M generalizada, e essa letra M não era de magnífica. E se saiu com esta: “Tenho vontade de chutar o pau da barraca, deixar que todo mundo se vire sem mim e sumir. Mas não posso porque o pau da barraca sou eu.”

Quem precisa de Nietzche, Schopenhauer, Sêneca? “O pau da barraca sou eu” foi a coisa mais filosófica que ouvi nos últimos tempos (permita eu exagerar um pouquinho). Entendi com clareza o conceito sofisticadíssimo que minha amiga desenvolveu. Simplesmente não dá para a gente chutar a si próprio, tirar a si mesmo de cena, e eu sei muito bem o que um psiquiatra diria: “Isso é onipotência, meninas. Quem vocês pensam que são? As controladoras universais, as bambambãs do cotidiano, as deusas sagradas do Olimpo?”

A verdade é que a gente assume tantos compromissos e se enreda de um jeito na vida, que depois não consegue mais se desvencilhar sem deixar mortos e feridos. Todo mundo deveria ter o direito de chutar o pau da barraca, mas a responsabilidade impede, mesmo quando não somos o pau da barraca. E sendo, aí é que não dá mesmo para levantar acampamento.

Eu, de vez em quando, sumo dois ou três dias, mas volto. Encontro todo mundo vivo e mais corado. É bem verdade que deixo um dossiê com todas as regras de sobrevivência na selva, os telefones de contato e um dinheirinho guardado na gaveta para o caso de imprevistos. Deixo a barraca aos cuidados de quem fica. E descubro que chutar o pau da barraca as vezes por mais desnecessário que seja para o mundo, para você torna-se vital.


"Eu conheço o medo de ir embora
Embora não pareça, a dor vai passar
Lembra se puder
Se não der, esqueça
De algum jeito vai passar
O sol já nasceu na estrada nova
E mesmo que eu impeça, ele vai brilhar"

Oswaldo Montenegro

quinta-feira, 3 de março de 2011

Você, modo de usar

Quando caminho pelas ruas da cidade, ou mesmo quando circulo de carro, reparo em pequenos pontos comerciais em construção e na hora penso: tomara que seja uma livraria, tomara que seja uma papelaria, tomara que seja uma galeria de arte, tomara que seja um bistrô, tomara que seja uma floricultura. Vou acompanhando a obra com expectativa, até que um dia os tapumes são retirados e shazam: é mais uma farmácia.
O filme Amor e Outras Drogas dá uma amostra de como os laboratórios movimentam fortunas e estimulam o consumo de medicamentos de forma impulsiva e muitas vezes desnecessária. Remédio não é sorvete, não é banana, não é pãozinho. Mas o povo se acostumou a ingerir goela abaixo o que lhe sugerem, sem receita, sem critério, e a indústria farmacêutica prospera.
Esse é só um exemplo de como a falta de qualidade de vida pode adoecer e até matar. A causa de óbitos geralmente é infarto, câncer, infecção generalizada, falência múltipla de órgãos, mas algumas dessas doenças tendem a iniciar décadas antes, por meio de uma rotina de muito stress, ansiedade, angústia emocional e neuroses não tratadas. Negativismo, raiva, frustração, nada disso colabora com nosso metabolismo.

É aí que pequenas atitudes podem fazer diferença, como praticar atividades físicas, buscar algum recurso para relaxamento (ioga, meditação, terapia, religião, massagem), cultivar amigos, dormir bastante, usar filtro solar, cuidar da postura, beber muita água, controlar o peso, não fumar, não beber em excesso, fazer check ups periódicos – e não se drogar, lógico. Os médicos têm batido nessa tecla com insistência, mas ainda há quem considere esse blablablá improdutivo ou politicamente correto demais.

Tem nada a ver com politicamente correto, e sim com inteligência. E inteligência não se vende em frascos.

Farmácias comercializam produtos de primeira necessidade. Sem elas, não teríamos acesso a medicamentos fundamentais para nossa saúde mental e física, devidamente prescritos, mas precisamos de tantas?

Creio que teríamos uma sociedade bem mais saudável se a população contasse com inúmeros pontos de venda de livros, sucos, flores, livros, discos, bicicletas, livros, frutas, bolas de futebol, raquetes de frescobol, instrumentos musicais, sapatilhas, livros, livros e, claro, livros.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Eu, modo de usar..

Pode invadir ou chegar com delicadeza, mas não tão devagar que me faça dormir. Não grite comigo, tenho o péssimo hábito de revidar. Acordo pela manhã com ótimo humor mas ... permita que eu escove os dentes primeiro. Toque muito em mim, principalmente nos cabelos e minta sobre minha nocauteante beleza. Tenho vida própria, me faça sentir saudades, conte algumas coisas que me façam rir, mas não conte piadas e nem seja preconceituoso, não perca tempo, cultivando este tipo de herança de seus pais. Viaje antes de me conhecer, sofra antes de mim para reconhecer-me um porto, um albergue da juventude. Eu saio em conta, você não gastará muito comigo. Acredite nas verdades que digo e também nas mentiras, elas serão raras e sempre por uma boa causa. Respeite meu choro, me deixe sózinha, só volte quando eu chamar e, não me obedeça sempre que eu também gosto de ser contrariada. ( Então fique comigo quando eu chorar, combinado?). Seja mais forte que eu e menos altruísta! Não se vista tão bem... gosto de camisa para fora da calça, gosto de braços, gosto de pernas e muito de pescoço. Reverenciarei tudo em você que estiver a meu gosto: boca, cabelos, os pelos do peito e um joelho esfolado, você tem que se esfolar as vezes, mesmo na sua idade. Leia, escolha seus próprios livros, releia-os. Odeie a vida doméstica e os agitos noturnos. Seja um pouco caseiro e um pouco da vida, não de boate que isto é coisa de gente triste. Não seja escravo da televisão, nem xiita contra. Nem escravo meu, nem filho meu, nem meu pai. Escolha um papel para você que ainda não tenha sido preenchido e o invente muitas vezes.

Me enlouqueça uma vez por mês mas, me faça uma louca boa, uma louca que ache graça em tudo que rime com louca: loba, boba, rouca, boca ... Goste de música e de sexo. goste de um esporte não muito banal. Não invente de querer muitos filhos, me carregar pra a missa, apresentar sua familia... isso a gente vê depois ... se calhar ... Deixa eu dirigir o seu carro, que você adora. Quero ver você nervoso, inquieto, olhe para outras mulheres, tenha amigos e digam muitas bobagens juntos. Não me conte seus segredos ... me faça massagem nas costas. Não fume, beba, chore, eleja algumas contravenções. Me rapte! Se nada disso funcionar ... experimente me amar!

Termino com a música da semana:
"Mas você se envolveu? Eu pergunto a você, como vai ficar o meu?"

Bom domingo!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O Permanente e o provisório

O casamento é permanente, o namoro é provisório.
O amor é permanente, a paixão é provisória.
Uma profissão é permanente, um emprego é provisório.
Um endereço é permanente, uma estada é provisória.
A arte é permanente, a tendência é provisória.
De acordo? Nem eu.

Um casamento que dura 20 anos é provisório. Não somos repetições de nós mesmos, a cada instante somos surpreendidos por novos pensamentos que nos chegam através da leitura, do cinema, da meditação. O que eu fui ontem, anteontem, já é memória. Escada vencida degrau por degrau, mas o que eu sou neste momento é o que conta, minhas decisões valem pra agora, hoje é o meu dia, nenhum outro.

Amor permanente... como a gente se agarra nesta ilusão. Pois se nem o amor pela gente mesmo resiste tanto tempo sem umas reavaliações. Por isso nos transformamos, temos sede de aprender, de nos melhorar, de deixar pra trás nossos imensuráveis erros, nossos achaques, nossos preconceitos, tudo o que fizemos achando que era certo e hoje condenamos. O amor se infiltra dentro da nós, mas seguem todos em movimento: você, o amor da sua vida e o que vocês sentem. Tudo pulsando independentemente, e passíveis de se desgarrar um do outro.

Um endereço não é pra sempre, uma profissão pode ser jogada pela janela, a amizade é fortíssima até encontrar uma desilusão ainda mais forte, a arte passa por ciclos, e se tudo isso é soberano e tem valor supremo, é porque hoje acreditamos nisso, hoje somos superiores ao passado e ao futuro, agora é que nossa crença se estabiliza, a necessidade se manifesta, a vontade se impõe – até que o tempo vire.

Faço menos planos e cultivo menos recordações. Não guardo muitos papéis, nem adianto muito o serviço. Movimento-me num espaço cujo tamanho me serve, alcanço seus limites com as mãos, é nele que me instalo e vivo com a integridade possível.
Canso menos, me divirto mais, e não perco a fé por constatar o óbvio: tudo é provisório, inclusive nós.

Fico com o trecho dessa música, que não me deixou em paz o dia inteiro..



"Chegamos ao fim tá doendo sim
eu chego a perder a voz
só resta chorar e se lamentar
pelo que restou de nós"

Arlindo Cruz